sábado, 6 de fevereiro de 2010

A HORA ÍNTIMA - Vinícius de Moraes

Quem pagará o enterro e as flores
Se eu me morrer de amores?
Quem dentre amigos, tão amigo
Para estar no caixão comigo?
Quem, em meio ao funeral
Dirá de mim: - Nunca fez mal...
Quem, bêbado, chorará em voz alta
De não me ter trazido nada?
Quem virá despetalar pétalas
No meu túmulo de poéta?
Quem jogará timidamente
Na terra um grão de semente?
Quem elevará o olhar covarde
Até a estrela da tarde?
Quem me dirá palavras mágicas
Capazes de empalidecer o mármore?
Quem, oculta em véus escuros
Se crucificará nos muros?
Quem, macerada de desgosto
Sorrirá: - Rei morto, rei posto...
Quantas, debruçadas sobre o báratro
Sentirão as dores do parto?
Qual a que, branca de receio
Tocará o botão do seio?
Quem, louca, se jogará de bruços
A soluçar tantos soluços
Que há de despertar receios?
Quantos, os maxilares contraídos
O sangue a pulsar nas cicatrizes
Dirão: - Foi um doido amigo...
Quem, criança, olhando a terra
Ao ver movimentar-se um verme
Observará um ar de critério?
Quem, em circunstância oficial
Há de propor meu pedestal?
Quais os que, vindos da montanha
Terão circunspecção tamanha
Que eu lhe hei de rirbranco de cal?
Qual a que, o rosto sulcado de vento
Lançará um punhado de sal
Na minha cova de cimento?
Quem cantará canções de amigo
No dia do meu funeral?
Qual a que não estará presente
Por motivo circunstancial?
Quem cravará no seio duro
Uma lâmina enferrujada?
Quem, em seu verbo inconsútil
Há de orar: - Deus o tenha em sua guarda.
Qual o amigo que a sós consigo
Pensará: - Não há de ser nada...
Quem será a estranha figura
A um tronco de árvore encostada
Com um olhar frio e um ar de dúvida?
Quem se abraçará comigo
Quem terá de ser arrancada?
Quem vai pagar o enterro e as flores
Se eu me morrer de amores?

SONETO DE SEPARAÇÃO - Vinícius de Moraes

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso de branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez-se a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

(Antonlogia Poética)

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

SONDETO DE FIDELIDADE - Vinícius de Moraes

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em faze do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor ( que tive) :
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

(Antologia Poética)

De repente

De repente
a casa ficou vazia
não ouço mais o som dos passos
correndo pro meu abraço
minha maior alegria.

De repente
a cama tornou-se fria
sem o calor do seu corpo
que antes me aquecia.

De repente
meu mundo ficou triste
e aquela cara de brava
que você tanto amava
já não mais existe.

De repente
não ouço mais o som
da sua respiração fraca
música que me embalava
depois que você dormia.

De repente
calou-se aquela voz branda
que acalmava a minha alma
e transformava os seus gritos
em silêncio de uma noite fria.

E de repente
cedo demais pra despedidas
as suas mãos ficaram frias
e frio ficou meu coração
sem o toque das suas mãos
não ouço mais a canção
seu coração que batia.